quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Plano Habitacional de Interesse Social – um instrumento de Regularização Fundiária Sustentável

O presente artigo foi desenvolvido a partir das discussões realizadas na disciplina de Direito Urbanístico do programa de Pós-Graduação Stritu Sensu em Direito Público da PUC/MG, por mim cursada isoladamente. O tema abordado é o Plano Habitacional de Interesse Social, um instrumento do Governo Federal  que  possibilita aos Municipios desenvolverem um diagnóstico de seu setor habitacional, bem como ter acesso aos recursos provenientes do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.

O processo de urbanização pelo qual o Brasil passou a partir da década de setenta foi um dos responsáveis pela realidade urbanística que hoje se apresenta. Os massivos investimentos em obras de infraestrutura expulsaram os pobres para as periferias. Devido à sua velocidade  e o aumento populacional dele decorrente, a unidade habitacional tornou-se produto de extrema valia, o que acabou por marginalizar imensa camada da população.

Os massivos investimentos em obras de infraestrutura expulsaram os pobres para as periferias
Excluídos do solo urbano legalizado, foram obrigados a procurar uma forma alternativa de exercer seu direito de moradia, de onde surgiram os aglomerados, periferias, cortiços, entre outros. No dizer de SILVA (2008,p. 23) houve uma articulação contrária entre norma e infração no espaço da metrópole brasileira o  que gerou a produção de cidades à margem do direito e da ordem urbanística.

O mercado imobiliário centra suas energias em fornecer moradia para quem  garante sua alta margem de lucro, o que inviabiliza  a aquisição de unidades habitacionais pelas classes menos favorecidas. Essa lógica capitalista vem sendo exercida ao longo do processo de urbanização, sendo visível a ocupação, cada vez mais intensa, nas áreas de risco. Para FERNANDES (2006,p.310) “há muito o processo de desenvolvimento urbano informal não é a exceção, mas sim a regra de produção social do espaço urbano no Brasil”

Por força da necessidade o cidadão vê-se obrigado a utilizar a clandestinidade e se abrigar em locais, muitas vezes, ambientalmente vulneráveis e sem a infraestrutura básica para uma sadia qualidade de vida. Essa situação não repercute  somente na camada populacional situada na ilegalidade, pelo contrário, essa desorganização sócio espacial  traz consequências que se expandem e atingem a cidade como um todo.
O processo constituinte que culminou na Carta Magna de 1988  destinou  um capítulo especifico a Política Urbana com o objetivo de assegurar a todos cidades sustentáveis. Não obstante, faltava ainda legislação que complementasse referido assunto  e lhe tornasse efetivo, de forma que foi promulgada a Lei n. 12.257/2001( Estatuto da Cidade).

O objetivo da referida legislação é regulamentar a política urbana e assegurar o cumprimento das diretrizes traçadas nos artigos 182 e 183 da CF/88. No inciso III do 2º artigo do Estatuto da Cidade tem-se como um dos meios de ordenar o pleno desenvolvimento das cidades, a seguinte diretriz: “planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;”

Na década de 80 as discussões entorno da Regularização Fundiária eram no sentido de urbanizar e titularizar os ocupantes de áreas indevidas. A prioridade era conceder título de propriedade ainda que a área não fosse capaz de assegurar  a infraestrutura necessária à sobrevivência.

Por regularização fundiária entende-se a intervenção pública nos aspectos jurídico, físico e social com o objetivo  de legalizar a permanência de populações que residem em áreas impróprias para fins de moradia.

Após a CF/88 novos aspectos referentes à regularização fundiária foram colocados em pauta, sobretudo com a noção de função social da propriedade. Neste contexto, dar segurança à posse ganhou um novo estímulo. Nas palavras de OSÓRIO (2006,p.35) a segurança da posse é um ponto central  do direito à moradia e deve ser assegurada a todos.

O desarranjo social tem alargado em grande escala os problemas habitacionais, seja pela falta de acesso a propriedade, pela ausência de infraestrutura adequada ou ainda pela permanência em áreas de risco. De sorte que, o tema regularização fundiária, é pontual, necessário e oportuno.

Mediante a crescente desigualdade de acesso ao espaço urbano faz-se imperiosa a interferência do poder público através de políticas urbanas capazes de criar alternativas legais de inclusão sócio espacial aos cidadãos.

Em 2003 o Ministério das Cidades colocou em pauta a discussão sobre as bases de uma eficaz Política Nacional de Apoio à Regularização Fundiária a qual tinha como de um de seus pressupostos o reconhecimento do direito à moradia e à segurança da posse como direitos humanos fundamentais.(FERNANDES, 2006, p.316)

Uma das competências atribuídas à União no Estatuto da Cidade é a promoção, em conjunto com os demais entes, de programas de construção de moradia, sendo dever dos Municípios cuidar do “planejamento das cidades, da distribuição espacial da população sob sua área de influência de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente”. (Estatuto da Cidade, artigo 2º, inc. IV)

Em um modelo de federalismo cooperativo que integra União, Estados e Municípios o governo federal criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social através da lei n. 11.124/2005 no intuito de centralizar projetos ligados a área de habitação de interesse social.

O principal objetivo é viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra urbanizada e à habitação digna e sustentável. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008, p.10)  Para aderir ao SNHIS e receber recursos é exigido do Município adesão ao SNHIS através de termo de adesão, apresentação à CEF de lei ou projeto sobre criação de Fundo e Conselho de Habitação de Interesse Social e a apresentação de Plano Habitacional de Interesse Social - PLHIS.

A exigência do PLHIS além de viabilizar a adesão municipal ao SNHIS permite um vislumbre das carências habitacionais presentes naquele Município, bem como a melhor forma de atuação para saná-las. É uma oportunidade de diagnosticar o cenário habitacional do Municpio e tomar conhecimento de suas reais necessidades no quesito moradia.

Trata-se de uma medida de planejamento habitacional que  possui duas linhas programáticas: A integração de assentamentos precários e informais e a produção e aquisição de habitação. Vê-se que é uma política includente baseada no planejamento urbano e na gestão democrática.

O PHLIS demonstra uma ação mobilizada, de articulação e intervenção pública no sentido de combater o desenvolvimento urbano informal e propiciar condições de moradia adequadas à população.

Em que pese as limitações, não resta dúvida que os Municípios tem um papel fundamental no enfrentamento dos problemas urbanísticos. Sendo a menor unidade política administrativa, onde se configura com maior intensidade as atividades urbanas, esse ente tem grande responsabilidade no tocante à sustentabilidade da cidade.

O Governo Federal reconheceu o papel central dos Municípios e suas ações tem o sentido de “apoiar, complementar e/ou suplementar  ação dos governos municipais, intervindo de forma mais direta, mas sempre em parceria”. (FERNANDES, 2006, p. 314)

O PHLIS é um exemplo de integração entre as esferas de governo, na qual o poder público federal munido de melhores condições de promoção e liderança, otimizou os resultados a serem alcançados no âmbito municipal.

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana criou um guia destinado aos Municípios mineiros de como fazer um Plano Habitacional de interesse Social, sendo de grande valia, já que muitos Municípios, devido às suas condições estruturais, encontrariam problemas referentes à elaboração do plano.

O material aborda desde os pontos conceituais até as ações estratégicas, numa ação intergeracional baseada no planejamento. O intuito é localizar o problema, apresentar soluções e captar recursos que  as viabilizem. “A conexão lógica entre problema e solução é o eixo central a ser valorizado.” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008, p. 54)

Vale ressaltar que essa iniciativa demonstra uma gestão democrática participativa, com forte atuação em forma de parceira entre governo federal e municipal, bem como um entrosamento entre os diferentes atores sociais no plano urbano.

Dentro da proposta metodológica  sugerida pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana – SEDRU-MG consta a definição de um grupo de elaboração do plano que deve ser composto por cinco atores sociais distintos, quais sejam: ator politico, ator comunitário, ator habitacional, social e fiananceiro. Essa diversidade reflete uma democratização no planejamento da cidade que permite a participação ativa do ciadão  no desenvolvimento urbano.

A noso ver o PHLIS é uma medida que visa a resolução de déficit habitacional nos aspectos qualitativos e quantitativos. Não obstante, existem criticas à adoção desse sistema. Na afirmativa de OSÓRIO (2006, p. 37) “estudo recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento aponta que a solução do problema habitacional por meio  da provisão pública de moradia de interesse social provou-se ineficiente.”

Na opinição da autora acima mencionada,  a tendência do governo é priorizar o déficit quantitativo, oferecendo financiamentos e subsídios que nem sempre são realmente acessíveis à população de baixa renda. Em seu dizer falta “clarificação das obrigações do Estado” que deveria ser o responsável em propiciar o direito humano fundamental à moradia.

Em que pese a critica, entendemos que o PHLIS é uma medida de inserção da regularização fundiária sustentável na agenda de ações politicas do Governo Federal. É notável o afastamento da ideia inicial de regularização que cuidava em titularizar o direito de propriedade. O proposto para o PHLIS é que seja elaborado de forma a concliar os apectos juridicos, ambientais, urbanísticos e sociais, captando através do diagnóstico habitacional as barreiras a serem transpostas para assegurar aos cidadãos tanto o direito de moradia, quanto o direito a uma moradia de qualidade, dotada de infraestrutura satisfatória e ainda possibilidade de inserção à economia da cidade.


Fabiana  Paiva - Advogada, pós graduada em Direito Ambiental, Mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela UFMG, sócia-proprietária em MASP Advogados.
 fabianapaiva@maspadvogados.com.br
 


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